segunda-feira, janeiro 02, 2006




Dossiê UFRJ - Parte II


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Como muitos sabem, estudo na UFRJ. Há algum tempo atrás fiz um post onde apontei o estado caótico que a instituição se encontrava. Pois bem; a situação permanece inalterada. Agora, com um agravante: é de conhecimento público que qualquer um pode entrar na faculdade e assaltá-la quando quiser. Foi publicada hoje, no jornal O Globo, uma matéria relatando as precárias condições de segurança que a UFRJ oferece e noticiando o recente assalto que a instituição sofreu. Eu já sabia disso com antecedência, pois o coordenador do curso mandou um e-mail para os professores e representantes de turma que, em seguida, foi repassado para os alunos. No e-mail ele falou da sua insatisfação com as precárias condições de trabalho que lhe são oferecidas na faculdade e relatou o ocorrido.

A seguir, o e-mail:

*******************


Caros Professores e Representantes de turma,

(sugiro que esta mensagem seja repassada a todos os alunos, reitor,
pró-reitores e a quem mais vocês julgarem importante)

Eu e mais três pessoas vivemos um dia de cão na FACC hoje à tarde.
Foram momentos de desespero e de tensão como aparecem somente
nos filmes de cinema, mas dessa vez eu, Rodrigo Donato (aluno do
3° período e diretor do C.A.), o Ivan (funcionário responsável pelo setor
de informática da nossa unidade) e a Alessandra Mello (professora)
estávamos no centro da ação.

Vou relatar tudo em detalhes para que vocês tenham uma idéia mais
precisa do que ocorreu. É necessário que vocês leiam tudo para ver
os motivos que me levam a cancelar o semestre letivo de verão que
iríamos ter a partir da próxima semana.

Eu estava trabalhando na sala do Departamento de Administração,
acompanhado do aluno Rodrigo, que me ajudava em minhas tarefas,
como aliás têm feito todos os integrantes do C.A. Subitamente, entra
um sujeito na sala com um revólver calibre 38 de cano longo apontado
pra nossas cabeças, mandando que deitássemos no chão. Eu achei que
era alguma brincadeira de algum aluno cuja fisionomia eu não conhecia
muito bem, ou de algum amigo do Rodrigo totalmente sem noção que
estava ali pra sacaneá-lo. Ficamos imóveis (depois o Rodrigo me contou
que também achava que fosse brincadeira). Diante da atitude agressiva
do cara, fomos para o chão. Fomos ameaçados, xingados, chutados,
pisoteados. O sujeito, que parecia um estudante, queria dinheiro e
equipamentos de informática (ele ficava repetindo que queria "laptops").

Expliquei a ele que ali não havia dinheiro, que estávamos numa universidade
pública, e que não existem "laptops" em nosso Departamento. Ele não
acreditava. Cismou que o Rodrigo era policial (talvez por causa do cabelo
reco e de sua compleição robusta) e ficava repetindo que iria matá-lo caso
encontrasse arma ou identificação policial. Perguntei a ele porque achava
que tinha dinheiro conosco. Ele disse que ali era a Administração, então
certamente haveria dinheiro. Entendi então que o bandido tinha pensado
que nossa sala era a administração do Palácio Universitário, não o local
em que acontece a coordenação do curso de Administração.

Nesse momento, entrou em minha sala o Ivan, que vinha resolver (mais)
um problema relativo ao sistema. Foi dominado e forçado a deitar-se conosco
em razão de uma coronhada no ombro. O pavor começava a tomar conta
de todos nós. A agressividade do sujeito aumentava à medida que ele
percebia que não havia dinheiro na sala e que nós mesmos levávamos
pouco ou nenhum dinheiro.

Entrou na sala a professora Alessandra. Ela sabia que eu estava abarrotado
de trabalho (como sempre) e tinha vindo nos ajudar. O telefone tocou nesta
hora - ela ainda não tinha visto os três caras deitados no chão e nem o
safado com a arma - e ela atendeu na orelha esquerda. Na orelha direita apareceu
o cano da arma do bandido. Pálida, a Alessandra foi levada para junto de
nós. Reunidos os quatro reféns, o malandro nos levou para o mezanino da minha
sala, onde novas ameaças de morte foram declaradas enquanto nossos
pertences eram passados pra ele. Houve perdas consideráveis em relógios e
celulares, fora o valor sentimental (relógios do Rodrigo e da Alessandra).

A agressividade do sujeito diminuiu um pouco, o que não o impediu de
revistar a sala inteira (primeiro andar e mezanino) à procura do que
queria. Tudo foi revirado: nossas mesas, nossos armários, os pertences
pessoais da professora Clotilde e da Ingrid. Tudo jogado no chão. Ainda não
sei se foi levado algum objeto pertencente à UFRJ - fora os aparelhos de
telefone, para que não telefonássemos para a polícia depois de trancafiados
pelo cara (ou pelos caras, porque poderia haver outros do lado de fora da
sala). Ainda não fiz o inventário do que foi levado da escola. Pedi para o
Norival trancar a sala e para mantê-la trancada até que alguém mais
graduado (professoras Aracéli ou Clotilde, por exemplo) possam decidir
o que querem fazer.

Durante a ação toda, ficamos isolados do mundo. Se o cara quisesse, ficaria
a noite toda ali conosco sem ser descoberto. Quando a segurança finalmente
foi chamada, ouvi do funcionário que nem todos os rádios transmissores
deles funcionam e que, mesmo se tivessem sido chamados a tempo, nada
poderiam fazer porque não andam armados. Quanto ao bandido, entrou e
saiu como um estudante qualquer (ou como um grupo de estudantes, se
houvesse outros caras). Bateu, xingou, ameaçou de morte, e não foi visto
por ninguém.

Tenho dado meu sangue por essa escola, ao contrário da imensa maioria de
professores com os quais convivo. Troquei minha paz de espírito, minha
saúde física e minha vida pessoal pelo trabalho na Coordenação do curso.
Sempre considerei injusto que um professor em estágio probatório fosse
sugado até o limite para que quase todos os demais relaxem na praia entre
suas aulas. Já dei quase tudo por essa escola. Não vou dar minha vida.

Solicitei oficialmente minha exoneração do cargo de coordenador à
Diretora da escola no mês passado. A partir de 1º de março, não sou mais
o coordenador. Isso já estava decidido. O que estou decidindo agora é
o seguinte: não vou mais comparecer à escola para realizar minhas tarefas
de coordenador. Vou tentar resolver tudo por e-mail. O que não der pra
fazer, fica sem ser feito. Paciência. Esperem pelo próximo professor em
estágio probatório para se afundar na burocracia que vou abandonar.
Se for o caso, demitam-me ou peçam minha cabeça aos setores competentes.
Não estou disposto a trocar minha vida - e as vidas dos professores e
alunos que me ajudam na impossível tarefa de tentar conduzir adequadamente o
curso - por uma universidade que está abandonada e que pouquíssimos
têm vontade pra tentar reerguer. Até o primeiro dia de março, posso ser
encontrado por e-mail para assuntos urgentíssimos. Depois disso, poderei
ser encontrado somente em sala de aula, como a maioria dos professores.
Obviamente, ficarei em sala de aula se houver condições de dar segurança
aos meus alunos. Isso significa que se o prédio estiver vazio, tchau.

A professora Alessandra e o professor Jorge Cardoso (ele também estava na
Praia Vermelha quando aconteceu o assalto), que iriam ministrar nossos
cursos de férias, sentem-se inseguros para continuar com esse projeto.
Concordo com eles. É impossível garantir a segurança de 150 alunos e
3 professores durante o mês de janeiro, com o campus deserto. Não quero
carregar a morte de ninguém nas costas. Estou de saco cheio de tentar
lutar desesperadamente pra tentar melhorar a vida dos alunos - às custas
do meu próprio bem-estar - e morrer na praia todas as vezes. Assim foi
meu primeiro dia de trabalho no ano! Como serão os próximos?

Desculpem-me todos os alunos inscritos nos cursos de verão, mas acabou-se.
Sei que muitos de vocês deixaram de viajar por causa dessas aulas. Sei que
outros tantos viam esses cursos como um tremendo adianto pra se formar
mais rápido. Melhor permanecermos todos vivos. Desculpem-me. Depois
do meu relato certamente vocês entenderão minha posição.

A todos os alunos, peço que reflitam com carinho a respeito de como os
estudantes, os professores e os funcionários são tratados pela instituição,
como a constroem e como são por ela construídos. Digo e repito: poucos
trabalharam por essa escola como eu. Em retorno, sou costumeiramente
maltratado pela escola. De salário baixo e carência total de recursos para
trabalhar até o preenchimento diário de inúmeros formulários nojentos
que existem por existir, tudo isso eu posso aturar. Dar literalmente a vida
pela escola decididamente não está nos meus planos.

Querem agir? Ajam. Não me chamem. Minha cota de sacrifício está
cumprida. O pedágio está pago. Mobilizem-se e tentem mudar as coisas.
Mas atenção: o nome desse jogo é DAR MURRO EM PONTA DE FACA.
O prêmio? Não sei se há algum. O preço? Talvez suas vidas.

Beijos e abraços,
Zeca.


Escrito por Eduardo @ 12:59 PM, |

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O autor

Eduardo Carvalho

Essa imagem retardada aí do lado veio com o template. Em tese, eu deveria trocá-la por uma foto minha e colocar um perfil aqui - porém, isso dá uma certa mão-de-obra. Por conseguinte, essa porra retardada permanecerá aí do lado enquanto a preguiça não me permitir tirá-la. Portanto, provavelmente, até o fim do ano. De qualquer forma, não me incomoda muito. Enquanto isso, eu tenho que deixar um texto aqui enchendo linguiça, pra tentar preencher esse retângulo. Juro que fiz meu máximo.

Sobre o blog

Esse blog foi criado no início de 2003, há cerca de 6 anos atrás, quando eu era um pivete que nem sabia escrever direito ainda. Portanto, eu não recomendo os arquivos. Eu fazia piadinhas bobas e sem graça. Quanto ao nome, "Faz Sentido", refere-se á uma expressão que eu usava muito na época. Disso, eu não me envergonho tanto. Criar nomes para blogs não é fácil.

Duvida?

Pensa num aí.

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